O universo político ainda patina para entender como equacionar o mercado formado pelas Big Techs, principalmente as redes sociais. Há mais de uma década, na campanha de Barack Obama em 2008, muitos de nós acreditamos que seria uma forma de driblar o consenso fabricado.
Tanto os eleitores quanto os políticos teriam finalmente uma forma de comunicação livre e fluida, sem a mediação de grupos com interesses próprios. Quando a esmola é muita, o santo desconfia. Desafortunadamente, não somos santos e demoramos demais para desconfiar.
Hoje, muitos políticos acabam virando reféns das redes sociais. Diversos partidos da União Europeia fizeram manifestações oficiais reclamando de mudanças indesejadas nos próprios quadros devido a esse fenômeno. Sob pena de cair no ostracismo, precisam dar lugar a quadros que pouco acrescentam no campo ideológico ou propositivo, mas sabem incendiar multidões.
Não é um fenômeno inédito. De certa forma, isso ocorre desde antes do mundo digital, com os populistas, os políticos carismáticos e os puxadores de votos. Mas isso dependia de talentos individuais de muito destaque.
Agora não mais. Num primeiro momento, essas personalidades – apelidadas por aqui de “bancada hashtag” – entenderam como funcionavam os algoritmos. Hoje isso se mistura com os talentos que despontam na área do tráfego pago, as postagens impulsionadas por meio de pagamento às Big Techs.
Na política, isso significa que uma proporção maior de indivíduos vai se qualificar para candidaturas por meio do apelo às massas. O que antes requeria muito talento, agora requer menos, fica mais “democrático” e promete tantos votos quanto ideologia e programas de governo e gestão. Algumas vezes, infelizmente, promete até mais.
A política, na prática, saiu da situação em que se sentia encurralada pelo Quarto Poder para outra em que está ainda mais espremida no corner. Meu amigo Anderson Godz, da Go New, criou uma teoria muito difundida no meio corporativo: temos Seis Poderes.
Além do Executivo, Legislativo e Judiciário, dizíamos que a imprensa era o Quarto Poder. Depois surgiu o quinto, formado pelas Big Techs, empresas mundiais mais poderosas que muitos Estados e bilionárias. Então temos o Sexto Poder, mais difícil de perceber, formado pelos grupos de pressão que se organizam nas plataformas das Big Techs.
Pode parecer uma forma de ouvir as pessoas democraticamente, mas não é. Poder não se dá, se toma. Qual seria a motivação dessas empresas para delegar ao povo o poder que podem concentrar para si? O desafio do mundo político está em descobrir essa resposta.
As pessoas creem que seguem perfis e são seguidas. Então, tudo o que elas postam é visto pelos seguidores e elas verão aquilo que é postado pelos perfis que seguem. Já foi assim, antes de diversas mudanças nos algoritmos na última década.
O negócio das Big Techs está na mediação entre o que as pessoas postam e o que veem. Algoritmo é uma sentença matemática que determina ordens a serem executadas. Simplificando, fica determinado que as pessoas verão com mais frequência aquilo com que mais interagem.
Interação é clicar em cima, compartilhar, curtir e comentar, seja elogiando ou xingando. Tudo aquilo que causa emoções excitantes, principalmente indignação, ódio e vontade de xingar será privilegiado.
Você posta algo e isso é distribuído para um pequeno percentual dos seus seguidores. Conforme o resultado da interação, será distribuído exponencialmente para os demais ou morrerá no ostracismo. Nós acabamos nos moldando a esse sistema em que o chocante impera.
É nesse contexto que surge a desinformação. Boatos, fofocas, distorção e maldade fazem muito sucesso desde sempre. Num ambiente como este, significam sucesso e poder na vida real.
Políticos em todo o mundo tentam soluções para equacionar essa novidade no debate cívico. As plataformas sempre prometem soluções para evitar que seus interesses econômicos e sua dinâmica de algoritmos comprometam democracias.
Por outro lado, as Big Techs não têm nenhum interesse econômico em fazer mudanças no funcionamento dessa máquina. Adicionamos a essa dinâmica a possibilidade de fazer postagens impulsionadas por dinheiro. Isso significa que a distribuição será feita para mais pessoas. E o consumo é basicamente fundado naquilo que as Big Techs sugerem. Um estudo da Mozilla Foundation mostrou que 70% do consumo de vídeos do YouTube é feito pelas sugestões da plataforma, não por busca de conteúdo.
Ganhar dinheiro para sugerir o conteúdo é um negócio do outro mundo. Nas nossas eleições, virou uma realidade. Podemos querer culpar este ou aquele político, mas ainda não existe uma resposta para os que desejam fugir disso.
Um levantamento feito pelo site O Antagonista revelou que as candidaturas brasileiras à presidência da República priorizam gastos com impulsionamento de conteúdos no Google (dono também do YouTube) e no Facebook (dono também do Instagram e WhatsApp).
Passa a ser também uma questão econômica num Brasil que padece de necessidades básicas e destinou R$ 4,9 bilhões ao Fundão Eleitoral. Na prática, é dinheiro vindo da arrecadação de impostos dos cidadãos brasileiros repassado a grandes conglomerados internacionais para manter a competitividade eleitoral.
Isso não se compara com o relacionamento que antes conhecíamos com a divulgação por meios de comunicação social. Sempre houve gastos que a sociedade julga exagerados na divulgação das campanhas, mas as empresas que divulgavam não recebiam dinheiro, não eram partes interessadas.
O gasto era feito na produção do material, nas propagandas em vídeo e áudio. Emissoras de televisão e rádio não recebiam legalmente para fazer a divulgação. As Big Techs recebem e nem são empresas nacionais.
Segundo O Antagonista, 6 das 11 candidaturas à presidência priorizam gastos vultosos com as Big Techs Google e Facebook para distribuir com anúncios pagos seus conteúdos. Jair Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes, Simone Tebet, Felipe D’Ávila e Eymael. São somas vultosas.
Lula gastou R$ 1,93 milhão no Google. Jair Bolsonaro gastou R$ 538 mil em Facebook e Instagram. Ciro Gomes gastou R$ 1,22 milhão nas redes da Meta e outros R$ 146 mil no Google. Caso semelhante se repete com os demais e são todas despesas lícitas.
Imagine agora os gastos somados de todos os candidatos a governos estaduais, senado, câmara federal e assembleias legislativas. Estamos despejando dinheiro do contribuinte nas Big Techs globais e bilionárias, as mesmas que falham em combater desinformação.
É muito fácil culpar os políticos. Se ninguém pagasse impulsionamento, o jogo seria outro. Será que isso é realmente possível? Não pagar o pedágio das Big Techs já custa muito ao universo político. As empresas prometem novas regras e respeito às democracias em todo o mundo. Mas o fato é que lucram de forma vultosa mantendo as coisas exatamente como estão.
Além disso, são craques em ações de marketing para alardear medidas efetivas que não passam de anúncios vazios. Pelo menos nesse pleito brasileiro, as coisas continuarão da mesma maneira. Não seremos nós, sozinhos, a conseguir uma solução. Diversos ramos da economia já dependem das Big Techs em todo o mundo. O que podemos fazer é evitar o erro fundamental de reduzir uma discussão tão complexa a ideologia barata.
Imaginar que estamos entre quem concentra a informação e quem dá voz ao cidadão pode ser reconfortante, mas é falso. Prosseguir na discussão sem sentido é algo ameaçador não só para a democracia, mas também para a ideia fundamental de política.