Como lidar com a atuação de agentes públicos

É realmente possível separar a atuação de uma pessoa em suas redes sociais pessoais com a vida de agente público? Num exercício filosófico, obviamente sim. Na prática, infelizmente, não.

Todos nós temos, individualmente, a clareza de quando manifestamos algo profissionalmente e a diferença de um pronunciamento pessoal ou como cidadãos. A grande questão é como os outros percebem.

Durante muito tempo, antes da internet, havia um nicho específico de profissionais que conviviam com essa realidade, aqueles ligados ao universo das comunicações. Muito rapidamente, principalmente com as redes sociais, essa experiência se estendeu para praticamente todas as pessoas.

Não há dois indivíduos, há apenas um, com suas várias identidades sociais. Cada um nos toma pela identidade social que considera mais importante. No caso de um servidor público, por exemplo, a tendência é que todas as suas manifestações sejam imediatamente ligadas ao órgão do qual faz parte.

Obviamente quem conhece o agente público – como a família, os amigos e os colegas de trabalho – vai saber diferenciar com muita clareza quando ele se posiciona como profissional em nome da instituição e quando fala por si, como pessoa.

E quem não conhece? Vai se remeter ao que é mais conhecido, o fato de ser agente público. E essa, no final das contas, será a leitura da maioria das pessoas.

Por isso tem se tornado frequente o fenômeno de muita gente arrumar problemas profissionais sem ter feito, a rigor, nada de errado. A pessoa se manifesta de forma individual, quem a conhece vê isso com clareza, mas o público liga imediatamente à instituição da qual a pessoa faz parte, como se fosse um pronunciamento oficial ou até uma intriga interna.

É errado que isso aconteça, mas o fato é que, uma vez colocada em movimento a indignação coletiva da internet, será difícil colocar o gênio de volta na garrafa. Estamos diante de uma realidade e é preciso lidar com ela. Todo e qualquer agente público expõe a instituição de que faz parte quando se manifesta em suas redes sociais pessoais.

Diante dessa realidade, o primeiro pensamento é como regrar o que pode ou não ser postado por agentes públicos. E aí invariavelmente iniciaremos a discussão sobre privacidade e liberdade de expressão.

Parece um nó apertado e impossível de desfazer, mas não é. Temos uma tendência de pensar o mundo digital como uma nova modalidade dos meios de comunicação, em que é possível uma curadoria centralizada de conteúdo. O erro é justamente esse, focar no conteúdo e não no contexto.

Qual seria o contexto? Temos uma mente analógica que já vive num mundo digital. Os agentes públicos não precisam de tutela para saber como se portar, precisam ser treinados para contextualizar suas ações no mundo digital e pensar sobre elas com a mesma clareza que fazem no mundo analógico.

A discussão sobre liberdade de expressão tende a ser apaixonadíssima na era da internet. Mas subestimamos a capacidade intelectual das pessoas. Não é possível ter tudo na vida. Agentes públicos já estão acostumados a medir as consequências de sua expressão no mundo analógico.

Há um exemplo de contextualização de que eu gosto muito. Sua sogra morreu. Você odiava sua sogra. Sua alma metade sabe perfeitamente da situação. Você, ao mesmo tempo em que sente um certo alívio pela morte, sente culpa por talvez não consolar como gostaria a pessoa que ama. Como você se expressa nesse caso?

Você pode falar em confidência com a sua mãe sobre esse sentimento. Você também pode resolver abrir o jogo no meio do velório. Qual a sua escolha?

Provavelmente você dirá que é a mãe. Eu não vou julgar moralmente, vai que você queira quebrar tudo mesmo e prefira o velório. O importante é que você não faça a manifestação no velório pensando que terá as mesmas consequências da conversa privada com a mãe. É precisamente este erro que cometemos muitas vezes nas redes sociais.

Agentes públicos são designados para suas funções porque têm características e qualidades compatíveis com o cargo. Na maioria das vezes, sabem se conduzir de forma a engrandecer as instituições em que atuam. Os problemas são exceção, não regra.

O volume maior de problemas na vida digital é porque esse contexto é novidade, não porque os agentes públicos sejam ingênuos ou não tenham consciência de seu papel. É preciso treinar as pessoas para as diferentes camadas de privacidade envolvidas em postagens em redes sociais e até grupos de Whatsapp e Telegram.

Cientes dos riscos e consequências, agentes públicos serão, na maioria das vezes, capazes de tomar boas decisões e proteger as instituições.

Tratar redes sociais como uma moda que passa ou subestimar o risco de manifestações individuais são grandes erros. Somos a geração de mente analógica vivendo no mundo digital. Conscientização e treinamento nunca foram tão necessários.

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