Focos de tensão

Em um mundo já eivado de instabilidade por fatores como a ascensão da China e sua rivalidade com os EUA, a continuidade da guerra russo-ucraniana e as perturbações nas cadeias de produção, alguns pontos de tensão no cenário internacional merecem atenção especial pelo potencial de causarem conflitos bélicos, se não forem controlados. Destacam-se o Irã, Taiwan, e a Coreia do Norte. Veremos neste texto a situação do Irã, e em artigos posteriores analisaremos o potencial desestabilizador de Taiwan e da Coreia do Norte.

O Irã, desde a revolução islâmica de 1979, tem-se colocado em franca oposição aos poderes ocidentais. Com a revolução islâmica, os EUA perderam seu principal aliado no Oriente Médio. Potência regional, detentor de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, com quase 80 milhões de habitantes, o Irã tem as forças armadas mais poderosas do Oriente Médio, compostas, além do exército regular, pela Guarda Revolucionária, dedicada basicamente à defesa do regime. Totalizam mais de 500 mil homens e, por causa de sanções, desde 1979 são equipadas pela indústria local de armas e equipamentos militares.

Em 1980, o país foi invadido pelo Iraque e teve início violenta guerra que durou até 1988 e exauriu militar e economicamente as duas nações. Ambos os países têm maioria xiita, mas o Iraque era governado por minoria sunita, e liderado por Saddam Hussein, em regime forte.

Em 1990, o Iraque invadiu o Kuwait, país com o qual estava fortemente endividado, por causa do financiamento da guerra contra o Irã, e os Estados Unidos lideraram ampla coalizão ocidental em reação rápida e eficaz, em operação que se caracterizou pelo emprego de tecnologia avançada como aviões “stealth” e cobertura “in loco” e em tempo real pela televisão.

Em 2003, os EUA invadiram o Iraque, no contexto da guerra contra o terrorismo causada pelo traumatizante ataque às torres gêmeas em 2001, com o pretexto declarado de depor Saddam Hussein, cujo regime estaria construindo armas de destruição em massa, o que não se comprovou. A presença de tropas americanas no país durou até dezembro de 2011. Essa sequência é útil para entendermos o fundamental fato geopolítico que explica a situação do Irã como foco de tensão internacional nos dias de hoje. Ao invadir e ocupar o Iraque, os Estados Unidos anularam o equilíbrio regional de poder e o Irã passou a ser a potência regional preponderante.

Até a Revolução Islâmica de 1979, os americanos apoiavam o programa nuclear do até então aliado Irã. O programa nuclear do Irã iniciou-se a partir de iniciativa americana chamada Átomos para a Paz na década de 1950, em plena Guerra Fria. Os EUA passaram então a fornecer tecnologia nuclear não-militar a alguns países aliados. A partir da revolução islâmica, o programa nuclear do Irã tornou-se fonte de extrema preocupação por parte das grandes potências, que passaram a pressionar o regime teocrático iraniano para que aceitasse limitar sua política de enriquecimento de urânio. Registre-se que empresas alemãs se encarregaram da construção de instalações atômicas no Irã até 1979, quando abandonaram as obras devido a pressões dos Estados Unidos.

O Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear e defende que tem o direito de enriquecer urânio para fins pacíficos, como para a medicina e a geração de energia. Esses argumentos não convencem o chamado P+5, grupo composto pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e pela Alemanha, que tem buscado controlar o programa iraniano de enriquecimento de urânio. Apesar das sanções impostas pela ONU, o Irã tem conseguido manter o programa.

Além das potências do Conselho de Segurança e da Alemanha, preocupam-se com o programa nuclear iraniano a Arábia Saudita e Israel, inimigos do Irã. A Arábia Saudita, que lidera a vertente sunita no âmbito do islamismo, vê o Irã, que adota a versão xiita do islamismo e é uma teocracia militante, como uma ameaça direta a sua própria existência. Israel, que desde sua fundação em 1948 até a revolução islâmica de 1979 tinha relações próximas com o Irã, viu a teocracia xiita romper seus laços comerciais e diplomáticos com o país, e tornar-se cada vez mais agressiva.

Israel e a Arábia Saudita opõem-se radicalmente a qualquer acordo que torne o Irã um potencial detentor de armas atômicas por meio de enriquecimento de urânio em porcentagens mais altas. A aliança de Israel e da Arábia Saudita com os Estados Unidos e as potências ocidentais colocam luz sobre o potencial desestabilizador de um Irã dotado de armas atômicas em relação ao cenário internacional. As informações no sentido de que o Irã forneceu aviões não tripulados (“drones”) à Rússia para ataques à Ucrânia são um elemento que torna mais complexa a situação do Irã no atual quadro geopolítico internacional.

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