O cenário internacional que se delineia deverá apresentar dificuldades para a política externa brasileira, por causa das transformações em curso e das que se avizinham, mas poderá trazer oportunidades de afirmação do Brasil no plano mundial.
No campo econômico e comercial assiste-se ao crescente deslocamento do eixo dinâmico para a Ásia. A China e os chamados tigres asiáticos assumem parcelas crescentes da produção industrial e do comércio, ao lado de países emergentes como a Índia, a Indonésia, a Turquia, a Rússia, o Brasil e o México. Essa tendência contrasta com a letargia da economia norte-americana e de países europeus, que têm perdido espaço. Como exemplo, cite-se o Reino Unido e a França que veem sua importância relativa decair, inclusive em relação ao Brasil. A União Europeia e a Alemanha, sua principal economia, sofrem com a dependência de energia importada da Rússia. Atualmente, estagnação e inflação caracterizam os países europeus. Embora não se possa desprezar a pujança e a inventividade da economia americana, é fato que os EUA vêm perdendo terreno.
O processo de globalização, importante fator de integração e impulso das trocas internacionais, tem sofrido com a perturbação das cadeias de produção e de transporte por conta da pandemia e da guerra Rússia-Ucrânia. Embora continue existindo, a globalização perde impulso e no atual panorama da economia internacional os países tendem a ser mais defensivos, menos liberais e mais protecionistas.
Na vertente geopolítica, verifica-se que a hegemonia norte-americana, que vem desde o desmantelamento da União Soviética na década de 1990, dá sinais de esgotamento com a crescente presença mundial da China. Desenha-se uma bipolaridade básica, com duas superpotências, embora com a coexistência de potências tanto tradicionais como as europeias, quanto as emergentes. Trata-se de situação de transição que trará instabilidade durante os próximos anos. Os Estados Unidos têm adotado uma política de contenção em relação à China, país a que interessa um cenário mundial estável, enquanto busca alcançar e consolidar sua posição de superpotência. A situação de rivalidade entre a China e os Estados Unidos, que vinha se agravando, teve melhora com o encontro entre os presidentes das duas potências na moldura da reunião do G-20 em Bali, na Indonésia, em outubro de 2022. Houve concordância em se retomar o diálogo, inclusive com reuniões rotineiras entre altos funcionários. Recorde-se que a China reagiu com exercícios militares às visitas de delegações parlamentares americanas a Taiwan, elevando o nível de tensão sino-americano.
A reorganização da equação internacional, econômica e geopolítica, apresenta grandes desafios para o Brasil, mas, ao mesmo tempo, abre a perspectiva de que possamos nos afirmar mais no concerto mundial. Temos algumas vantagens que nos privilegiam. Grande produtor de “commodities”, o Brasil tem conseguido aumentar sua produção agrícola com o emprego de tecnologia de ponta, sem a necessidade de incorporação de novas terras, o que contribui para a preservação do meio ambiente.
A produção agrícola brasileira torna-se ainda mais importante na atual situação mundial, em que a guerra na Europa e os problemas logísticos deixam vários países, como os africanos, em situação de extrema vulnerabilidade alimentar. Outra vantagem diz respeito a fontes energéticas. Já com matriz preponderantemente limpa, fundamentada na produção de hidrelétricas, e em biocombustíveis, o Brasil tem ainda enorme potencial de diversificar suas fontes, com exploração de energia solar e eólica.
Falta-nos, no entanto, desenvolver uma base industrial mais sofisticada, na área de equipamentos eletrônicos, semicondutores, inteligência artificial, que nos possibilitem maior integração nas cadeias mundiais, bem como menor dependência de “commodities”, cujos preços são mais instáveis. Essa lacuna pode ser preenchida por maior integração aos mercados mundiais e investimentos em educação, a exemplo do que fez a Coreia do Sul.
Assim, a prosperidade de países asiáticos e emergentes, a reconstrução das cadeias produtivas, e a valorização da economia verde apresentam uma oportunidade para o Brasil. Sob o prisma político, o Brasil não se situa em região de conflitos, mesmo potenciais, e tem convivência amigável e pacífica com seus vizinhos. Desde que houve a aproximação com a Argentina na década de 1980, que permitiu a criação do Mercosul no começo dos anos 1990, nem mesmo rivalidades regionais temos.
Um importante patrimônio da política externa brasileira tem sido seu caráter universalista, com canais diplomáticos desobstruídos em todas as regiões, com países de todas as dimensões. Esse ecumenismo resulta de longa e cuidadosa construção da diplomacia brasileira e levou a uma grande capilaridade das nossas representações, que será de importância nessa fase de transformação do cenário mundial, na qual os eixos econômicos, comerciais e tecnológicos estarão se movendo.
Essa capilaridade, que reflete nossas relações diplomáticas com todas as nações, será vital do ponto de vista da obtenção de informações, mas também como meio de incrementar o acesso a novos mercados, acesso a tecnologias avançadas, combate a barreiras tarifárias e não-tarifárias e construção de acordos comerciais. A diplomacia brasileira tem tradição de participação ativa nos organismos multilaterais e também em foros não institucionalizados, como o BRICS. Esse foro pode ter importante papel para o Brasil, como ponta de lança em relação aos chamados novos emergentes, somando-se à já existente malha de relações bilaterais mantida por nosso país.
Outro aspecto importante diz respeito à imagem do Brasil, principalmente em termos ambientais. Faz-se necessário que nossas representações diplomáticas se dediquem a contrabalançar os ataques que temos sofrido, muitos por causa de interesses protecionistas. Com uma das legislações ambientais mais completas do mundo, o Brasil conta com fortes argumentos para convencer o mundo de que, na verdade, somos uma potência ambiental.
Outra característica importante da ação diplomática brasileira, ao lado do universalismo, tem sido o pragmatismo, a busca incessante do interesse do país como vetor de ação externa. Trata-se de característica que deve ser mantida, evitando-se as interferências ideológicas que distorcem a atividade diplomática. Esse princípio deve-se aplicar em termos amplos, mas principalmente em relação à América do Sul, nosso entorno imediato. Para se afirmar no cenário global, o Brasil tem, necessariamente, que reforçar seus vínculos sul-americanos, e sua posição de potência regional, aumentando sua representatividade. A América do Sul merece atuação diplomática cuidadosa, sem arrogância, para não ferir suscetibilidades. Como potência regional temos que reconhecer nossa responsabilidade.
O Brasil deve aumentar sua participação no concerto internacional conquistando novos mercados para “commodities” e combustíveis verdes, e integrando-se nas cadeias de tecnologia avançada, ao tempo em que ocupa espaço de potência regional. A nova configuração internacional apresenta oportunidade única para o Brasil. Cumpre aproveitá-la. Devemos agir com equilíbrio, com base em nossa tradição, mas sabendo inovar. Nos meios diplomáticos, diz-se que a melhor tradição do Itamaraty é saber se renovar.