Um aforismo repetido com bastante frequência pelo eminente historiador, filósofo e literato conservador Russell Kirk (1918-1994) em seus escritos é a sentença do historiador Henry Stuart Hughes (1916-1999), de acordo com a qual “o conservadorismo é a negação da ideologia”. Devemos buscar a rejeição conservadora às ideologias na própria origem do conservadorismo, visto que, no ano de 1791, ao criticar a postura dos revolucionários franceses e de seus radicais defensores ingleses, Edmund Burke, tido como o pioneiro da tradição conservadora, sendo a fonte inicial dessa doutrina, alertou sobre os riscos do que atualmente chamamos de política ideológica com a respectiva sentença:
Um homem ignorante, que não é tolo o bastante para interferir no mecanismo do próprio relógio, é, contudo, confiante o suficiente para pensar que pode desmontar e montar ao seu bel prazer [a sociedade], uma máquina moral de outro estilo, importância e complexidade, formada de muitas engrenagens, molas, balanças e forças que neutralizam e cooperam. Os homens pouco pensam quão imoral é se imiscuir, de modo precipitado, naquilo que não entendem. A boa intenção ilusória não é uma espécie de desculpa para a soberba. Verdadeiramente fariam bem aqueles que temessem agir mal.
De acordo com Russell Kirk, existem três motivos pelos quais, em qualquer hipótese, os conservadores devem rejeitar a política ideológica, a saber:
1º) A ideologia é uma religião invertida, que nega a doutrina cristã de salvação pela graça, após a morte, ao colocar em seu lugar a falsa ideia de salvação coletiva, aqui na Terra, por intermédio da revolução e da violência. A ideologia herdou o fanatismo que, algumas vezes, afetou a fé religiosa e aplicou essa crença intolerante às preocupações seculares. No entanto, o político conservador prudente sabe que “utopia” significa “lugar nenhum”; que não se pode marchar em direção a uma Sião terrena; que a natureza e as instituições humanas são imperfeitas; que a “justiça” agressiva na política acaba em massacre. A verdadeira religião é uma disciplina para a alma da pessoa, não para o Estado;
2º) A ideologia torna impossível o compromisso na arena da ação política. O estadista conservador prudente, ao contrário do ideólogo, tem plena consciência de que o propósito original do Estado é manter a paz, a liberdade e a justiça. Isso só pode ser alcançado via a manutenção de um equilíbrio tolerável entre os grandes interesses da sociedade. Partidos, interesses, grupos e classes sociais devem realizar acordos, caso queiram manter as facas longe dos próprios pescoços. Quando o fanatismo ideológico rejeita qualquer solução conciliatória, os fracos vão para o paredão. Tanto os exemplos históricos dos diversos regimes comunistas e socialistas, por um lado, e por outros, as experiências do nazismo e do fascismo quanto às atrocidades ideológicas do “Terceiro Mundo”, em uma
época mais recente, ilustram esse ponto com os massacres políticos, censura dos meios de comunicação, perseguições religiosas, violações de direitos humanos básicos, e estagnação econômica. A política conservadora prudencial busca a reconciliação, não o extermínio;3º) As ideologias são acometidas de um feroz facciosismo, na base do princípio da fraternidade – ou morte. As revoluções devoram os seus filhos. Por outro lado, os políticos conservadores prudentes, rejeitando a ilusão de uma verdade política absoluta, diante da qual todo cidadão deve se curvar, entendem que as estruturas políticas e econômicas não são meros produtos de uma teoria, a serem erigidos num dia e demolidos noutro; pelo contrário, instituições sociais se desenvolvem ao longo dos séculos, como se fossem orgânicas. O reformador radical, proclamando-se onisciente, derruba todos os rivais para chegar mais rapidamente ao Paraíso terreno. Conservadores, em nítido contraste, têm o hábito de jantar com a oposição, quando seus adversários não desejam exterminar as posições divergentes.
Cabe aos verdadeiros conservadores a árdua tarefa de seguir na interminável luta para preservar nossas tradições e para rechaçar as utópicas propostas, ao educar os mais jovens e os mais humildes acerca da importância do conservadorismo enquanto melhor alternativa para garantir a existência de uma sociedade mais virtuosa, mais livre, mais justa e mais próspera.